quarta-feira, 21 de março de 2012

As Equipes de Saúde em risco: o projeto de lei do Ato Médico e seus riscos para o usuário da “saúde” no Brasil


No Brasil, quando falamos em SAÚDE, falamos do quê? Falamos de um produto tal qual algo que compramos no supermercado? Falamos de um “ganha-pão” de uma série de trabalhadores da área da saúde, formados em escolas de nível médio e superior? Falamos de um filão de negócios para uma indústria da doença, que enriquece a custa da venda de medicamentos? Falamos de tudo isso, ou de nada disso?

Falamos de tudo isso e, muitas vezes, esquecemo-nos de colocar no centro da conversa um participante fundamental: aquele sujeito que no desenrolar da sua vida quer ser feliz e que, para isso, precisa ter acesso aos dispositivos que dão conta da sua saúde, tanto na sua promoção quanto na prevenção de doenças e agravos e, em havendo a doença, no seu diagnóstico precoce, no tratamento adequado segundo sua necessidade. Focar a discussão do tão falado “Projeto de Lei do Ato Médico” neste aspecto é fundamental para recompormos as coisas em seu devido lugar.

Desde o início desta discussão, em 2002, as querelas fixam-se em torno de uma disputa de mercado, no qual as profissões defendem o seu quinhão, o seu espaço na partilha dos “atos de saúde”, desenvolvidos ao longo da história. As profissões da saúde, nas últimas décadas, especializaram-se na sua construção teórica e prática e isto significou um acréscimo fundamental na condição de vida dos brasileiros. O cidadão tem à sua disposição hoje uma equipe multiprofissional e isto é ótimo. Ganhamos todos com isso, o que se reflete, por exemplo, numa vida mais longa e com mais qualidade.

O Projeto de Lei do Ato Médico quer, de certa maneira, reverter os avanços das últimas décadas ao centralizar a decisão sobre o processo assistencial do usuário de serviços de saúde nas mãos de um único profissional. Legalmente, proíbe-se que vários dos atos atualmente partilhados entre diferentes profissionais sejam praticados por enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, entre outros. Cabe ao médico o diagnóstico nosológico, unicamente, e a partir dele, distribuem-se as tarefas que os outros devem desempenhar. Cria-se uma clara hierarquia, um monopólio na decisão, violando a equipe de saúde interdisciplinar, desqualificando-a.

De prático, o que isto pode gerar? Uma eminente maior dificuldade de acesso das pessoas aos serviços de saúde em geral, visto que praticamente tudo fica atrelado à ideia de que primeiro precisaríamos consultar um médico. Um segundo aspecto é que esta centralização na figura de um profissional encareceria o acesso à consulta, visto que atualmente já há certa escassez de profissionais médicos especialistas, por exemplo. No Sistema Único de Saúde isto se torna ainda mais dramático, na medida em que se percebe uma dificuldade enorme de fixar o profissional em cidades pequenas e médias.

Quem “paga o pato”, ao fim e ao cabo, é a população. Centrar a decisão em saúde nas mãos de um profissional nunca foi garantia de qualidade. Pelo contrário, todas as profissões têm os seus excelentes, os bons, os medianos, medíocres e maus profissionais. Na imprensa vimos exemplos a toda hora. Na vida prática do dia a dia, também. A equipe de saúde permitiu que diferentes olhares estivessem “de olho” na saúde das pessoas. Avançamos, apesar dos problemas que ainda enfrentamos neste país. O acolhimento, a escuta, o cuidado, o vínculo, a interdisciplinaridade, tudo isso são conceitos que vêm sendo buscados por profissionais incansáveis, por toda parte. Equipes de saúde, que comportam médicos também. Equipes de saúde, que são parceiras, corresponsáveis pelas pessoas com as quais trabalham. Equipes de saúde que, com o Projeto de Lei do Ato Médico, correm sério risco. E, sem a equipe, quem perde de fato, senão o pobre cidadão brasileiro pagador de impostos e que merece maior respeito na condução da sua vida? 

2 comentários:

  1. O argumento do texto é falacioso. Na verdade a lei protege o cidadão, que terá garantido o diagnostico da sua doença, feito pelo medico. A lei atrairá o medico para assistência básica, onde o problema é maior, pois os gestores muitas vezes, barateiam a assistência, colocando profissionais sem a devida qualificação. A lei evita que se crie no Brasil dois tipos de assistência, uma para os pobres, mais barata,,outra para os ricos, onde o paciente tem acesso os medico. Outro fato que deve ser mencionado é que também é falacioso o argumento de que a lei aumentara os custos. O que aumenta custos é deixar totalmente aberto o sistema, no qual o paciente tem acesso a todo e qualquer profissional de forma irrestrita, sem um diagnostico definido. Os sistemas mais modernos e eficientes de saude garantem acesso ao medico e concentram nos generalistas a assistência, exemplos sistema inglês e canadense.

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  2. Flávio. O sistema canadense e o sistema inglês não hierarquizam a equipe, sobrepondo um profissional sobre os outros. Há a definição de papeis segundo o núcleo de saber de cada profissão e, neste contexto, avançou-se enormemente no sistema de saúde. A questão de custos, da forma que estamos desenvolvendo a saúde no Brasil, hoje, tende à insolvência, visto que há a ênfase na assistência secundária e terciária, ainda. Enquanto não investirmos de fato na atenção primária em saúde, com todas as suas características, estaremos reféns da indústria da doença, ainda hegemônica.

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